quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Após parecer à CPI, ex-ministro diz que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e foi cúmplice do vírus



O ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior afirmou nesta quarta-feira (15) que está claramente configurado o crime de responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento da pandemia de Covid- 19 e que ele se tornou um "cúmplice do vírus".

O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia de anúncio de avanços no programa Casa Verde Amarela, de habitação popular. No Palácio do Planalto. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Reale coordenou um grupo de juristas que apresentou um parecer com sugestões de tipificações para os crimes que foram apurados pela CPI da Covid. Senadores da comissão participaram de reunião virtual com o grupo, para debater os possíveis crimes cometidos.

Em sua fala inicial, Reale afirmou que o enfrentamento da pandemia evidenciou um "desrespeito afrontoso aos direitos individuais e sociais" e que isso configura um crime de responsabilidade, que poderia embasar um processo de impeachment.

"Saúde e proteção à vida são deveres do Estado e que devem ser assumidos pelo presidente. Mas o que se viu foi que a Presidência se transformou em cúmplice do vírus, sem preocupação nenhuma com medidas de contenção."

Reale afirmou que o grupo analisou as provas obtidas pela CPI da Covid até o mês de agosto e considerou o quadro desolador.

"Se nós formos olhar o impeachment, este é de uma gravidade grande, um crime de responsabilidade exponencialmente [grande] porque colocou em risco um número indeterminado de brasileiros com a mais absoluta indiferença, frieza, na expectativa de salvar a economia para poder garantir processo eleitoral futuro. Esse é o quadro que conseguimos constatar", completou.

Também afirmou que o comportamento do governo do presidente Bolsonaro não pode ser considerado como descaso ou negligência. Ele disse, por outro lado, que houve uma ação deliberada para não conter a pandemia, caracterizada na busca da "imunidade de rebanho".

Reale acrescentou que o Legislativo respondeu com rapidez à pandemia, oferecendo mecanismos para o enfrentamento da pandemia. No entanto, disse que houve um "desfazimento" das políticas públicas, uma "desconstrução da estrutura", tanto jurídica como operacional.

"O que se viu foi uma política de Estado de negacionismo, de negar as medidas de precaução", afirmou, citando como exemplo as falas de Bolsonaro contra máscaras e aglomerações.

O parece entregue pelos juristas foi assinado por Reale, pela ex-juíza do TPI (Tribunal Penal Internacional) Sylvia H. Steiner, por Alexandre Wunderlich e por Helena Regina Lobo da Costa.

O parecer afirma que o chefe do Executivo prejudicou e retardou o acesso à saúde pública. "O que restou evidente até o momento da conclusão dos trabalhos da comissão de especialistas é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização."

O documento lista uma série de crimes comuns e de responsabilidade que teriam sido cometidos pelo governo federal. Em relação a crimes contra a saúde pública, os juristas apontaram que foram cometidos os crimes de epidemia, de infração de medida sanitária e de charlatanismo.

"Teve o crime de epidemia, que é causar epidemia pela disseminação dos germes. Não é só dar início, é agravar o risco já existente", disse Reale, que fez um paralelo com a jurisprudência ambiental, na qual a continuidade dos danos configura o crime e não apenas o início.

Reale também ressaltou o crime de charlatanismo, que a equipe do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), já cogitava incluir.

"Crime de charlatanismo também, porque através da cloroquina e da propaganda da cloroquina estava a se receituar um método infalível de cura. [Dizia-se] 'tome cloroquina e tenha vida normal'", completou.

O documento também cita crimes contra a administração, incluindo corrupção passiva, e crime contra a humanidade. Nesse ponto, os autores mencionaram o colapso do sistema público de saúde de Manaus, durante a segunda onda da pandemia.

Na avaliação dos juristas, os fatos apurados pela comissão demonstram que há elementos suficientes para um pedido de impeachment.

Na Folha

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