Enquanto vuvuzelas se esgoelavam na África do Sul, uma cidade de brancos no meio do país ignorava solenemente o dia mais importante para o país desde o fim do apartheid, em 1994.
Em Orânia, a 650 km de Johannesburgo, apenas nove pessoas acompanharam pela TV do único bar da cidade a bola rolar às 16h05 entre África do Sul e México. Os funcionários do local continuaram trabalhando. Do lado de fora, seis garotos jogavam um esporte muito mais interessante para eles, o rúgbi.
"Futebol? Não está em mim. Não é para nós", disse um deles, Kook Steenkamp, 10. "Nós" significa os africâners, descendentes de holandeses que vivem isolados nessa cidade de 720 habitantes. No país, são 6% da população, com interesse quase nulo no futebol, esporte "negro".
Em Orania reúnem-se africâners radicais, que tentam manter a pureza da raça. Negros e mestiços são proibidos de morar ali. A maioria dos habitantes é abertamente saudosista do apartheid (há um museu dedicado a Hendrik Verwoerd, o primeiro-ministro que prendeu Nelson Mandela, nos anos 60).
Ontem, as ruas pacatas pareciam pertencer a outro país. Nenhuma bandeira sul-africana em casas ou carros, ninguém com camiseta do Bafana Bafana. E um estranho silêncio numa cidade em que vuvuzelas são um objeto maldito.
"É a coisa mais idiota já inventada. Minha vontade é atirar em quem toca esse negócio", disse a professora aposentada Elise Lombaard, 68, para quem Mandela é um "criminoso".
Na hora do jogo, as ruas de Orania estavam com movimento de dia normal. Pedreiros continuavam trabalhando na obra de uma casa. Moradores faziam compras no único supermercado do lugar. Uma mulher fazia cooper nas ruas. "Futebol? É distante demais para mim", afirmou uma senhora caminhando com uma sacola.
O eletricista Abram Petrorius dormia quando a reportagem da Folha bateu em sua casa durante a partida. "O fim de semana começou. Preciso descansar", justificou.
No bar, a microaudiência acompanhou de maneira morna o empate em 1 a 1. "Vou ver os outros jogos se tiver tempo", disse Heinrich Schmidt, 17, forçado a estar ali pela namorada, Estella Boshoff, 15, que, apesar de se dizer interessada em futebol, só conhecia o zagueiro Mattew Booth, único branco da equipe sul-africana.
Outro garoto, fã assumido de rúgbi, não sabia nem mesmo o nome do técnico da equipe (Carlos Alberto Parreira). "Só sei que ele é branco", afirmou.


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