Uma ouvinte do programa “O É da Coisa”, que ancoro na BandNews FM, enviou uma pergunta intrigante ao programa, e ela só pode ser feita no Brasil. “Se a Constituição prevê que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por que é preciso declarar a Constitucionalidade disso?” Pois é… Eis uma questão e tanto, não é mesmo? Podemos e devemos ir mais longe. As Ações Declaratórias de Constitucionalidade, que podem ser, ou começar a ser, votadas na quarta-feira, vão declarar, na prática, a constitucionalidade ou não de um trecho da própria Constituição. Não tente explicar isso a um estrangeiro oriundo de uma democracia estável. Explico.
Define o caput do Artigo 283 da Constituição:
“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
Notem: o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição repete um trecho desse artigo, a saber:
“Ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Observem: declarar a não-constitucionalidade do Artigo 283 do Código de Processo Penal corresponde a declarar a não-constitucionalidade do Inciso LVII do Artigo 5º da própria Constituição.
Observem: independentemente de saber se o resultado da votação das ADCs é do interesse de A, B ou C, o fato é que o Supremo Tribunal Federal vai decidir se seremos regidos por uma Constituição ou por maiorias ocasionais no Supremo.
Todos os que têm opiniões divergentes desta que aqui vai estão obrigados a explicar quais outros trechos da Constituição estarão submetidos aos humores das ruas. Se chegamos à conclusão de que não se pode fazer justiça com a Constituição que temos, no seu 30º aniversário, então há que se encontrar uma saída. Até porque, segundo dispõe o Artigo 60 dessa mesma Carta, o Artigo 5º, ao qual pertence aquele Inciso LVII, é cláusula pétrea. Não pode ser mudado nem por emenda.
Por isso, note-se adicionalmente, não fazem sentido as palavras do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, segundo quem o Congresso tem de começar a discutir uma emenda para cuidar do assunto. Aliás, vejam que coisa exótica: se o Parlamento legislasse a respeito e aprovasse uma emenda alterando o que vai no Artigo 5º, alguém haveria de entrar no Supremo com um Ação Direta de Inconstitucionalidade. Argumento: não se pode mudar o referido artigo nem por emenda, segundo a própria Carta. E o Supremo seria obrigado a concordar.
Não obstante, é o próprio tribunal que está envolvido na barafunda.
Por Reinaldo Azevedo
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