Esse negócio de ‘intocáveis” é coisa de filme de ficção… Ah, é: a Lava jato já virou… filme de ficção |
A Força Tarefa da Lava Jato no Paraná emitiu uma nota furibunda contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, reagindo a um afirmação que o ministro fez nesta quarta, na Corte, durante uma das fases do incrível julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa de Antonio Palocci. Afirmou o ministro:
“Nós vamos ser, no mínimo, cumplices de grandes patifarias, que estão a ocorrer. O caso do doutor Castor. Lá em Curitiba; o caso Miller, aqui. É notório que houve corrupção, é evidente, e que essa dupla carioca já estava operando: Miller e Fernanda Tortman já estavam operando há muito tempo. Tudo isso, e nós estamos num certo autismo institucional. Todos nós que conversamos com advogados sabemos disso. Acho que a procuradoria tem de tomar providências em relação a isso, aos fatos conhecidos”.
Infelizmente, a reação dos procuradores a Mendes mereceu o destaque que as afirmações não ganharam. Vamos entender sobre o que fala o ministro. Comecemos pelo caso do ex-procurador Marcello Miller. Há provas, não apenas suspeitas, de que ele atuou, durante um tempo, como procurador da República — era um dos braços de Rodrigo Janot — e também como advogado da JBS, aí já integrado ao escritório Trench, Rossi e Watanabe, que negociava o acordo de leniência da empresa. Então notem: como procurador, Miller investigava e tinha acesso a informações sigilosas da operação; atuando ilegalmente como advogado, passava instruções à empresa. Numa das mensagens, ele se refere à JBS e à defesa como “nós”.
Quando as falcatruas dos irmãos Batista vieram a público, incluindo as praticadas no processo de delação — e isso só aconteceu porque Joesley operou mal um gravador —, as lambanças de Miller também ficaram expostas à luz do dia. Apenas afetando rigor, Janot fez o quê? Pediu a Edson Fachin, que adora uma chave de cadeia até para quase nonagenários, a prisão preventiva de Miller. Mas, ora vejam, o relator da Lava Jato, craque em povoar os presídios, negou o pedido. E Janot falou: “Ah, então tá bom”. Não esqueçam da pauta de que a imprensa nunca se lembrou: quando candidato ao Supremo, Fachin visitou senadores à caça de votos em companhia de Ricardo Saud, um dos diretores do grupo JBS que tinham ganhado aquele presentão da dupla Janot & Fachin: uma delação acompanhada da mais absoluta, explicita e irrestrita impunidade.
As gravações que vieram a público indicam que Fernanda Tórtma, advogada da JBS, sempre esteve ciente das heterodoxias da coisa toda, incluindo a gravação que Joesley fez das conversas com Michel Temer e Aécio Neves. Amiga íntima de Miller, ficou caracterizada ali uma verdadeira parceria. Numa das gravações, feita no carro — Joesley se encaminha para o aeroporto —, o empresário se jacta de sua esperteza numa conversa com Tórtma. Fica claro que ele está indo para um descanso nos EUA, sabendo que deixaria um rastro de caos político no Brasil. E que providências a Procuradoria tomou até agora? Nenhuma! Um lembrete: a advogada é filha da ex-mulher do ministro Roberto Barroso. Antes de as sacanagens dos Batistas virem a público, o doutor foi um ardoroso defensor da tese de que um acordo de delação, como os dos homens da JBS, era como as tábuas de Moisés. Jamais poderia ser revisto, pouco importando quantos crimes se descobrissem até chegar ao dito-cujo.
A situação é de tal sorte esdrúxula que a JBS — na verdade, a holding J&F — está processando nos Estados Unidos os escritórios Trench, Rossi e Watanabe e Baker Machenzie porque alega que ignorava à época a situação funcional de Miller, que já atuava para os escritórios mesmo estando ainda no MPF. Será que ignorava? Afinal, fica claro em troca de mensagens que o grande ativo de Miller, ao se apresentar, era mesmo a sua intimidade com o MPF. Uma gravação ao menos de Joesley se refere ao agora ex-procurador como alguém do círculo de relações da sua turma. Até agora, no Brasil, não aconteceu nada vezes nada.
Caso Castor
E o que é o tal “Caso Castor”? O marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, contrataram para cuidar de sua delação o escritório de Rodrigo Castor de Mattos, que é irmão de Digo Castor de Mattos, que vem a ser uma das estrelas da Lava Jato. É consenso nos meios jurídicos que o casal conseguiu condições realmente muito favoráveis em sua delação — nada equiparado, claro!, ao acordo que Rodrigo Janot havia celebrado com os Batistas: impunidade absoluta. Só não prosperou porque Joesley não sabia direito como funcionava o tal gravador.
Advogados experientes sabem que existe, sim, a indústria da delação. Ninguém dá a cara ao tapa — ou começa a gritaria: “Querem acabar com Lava Jato” —, mas há muitos relatos de bastidores de que o “aperto” feito aos depoentes pode vir acompanhado da solução: o escritório “X” que poderá resolver a situação. E o preço é fazer a delação premiada, com o endereço certo.
Na nota, a Força Tarefa de Curitiba sai em defesa do procurador, mas não se manifesta sobre o caso Miller. E claro, acusa o Mendes de nutrir um “sentimento negativo (…)com o sucesso da Operação Lava Jato em desbaratar organizações criminosas que atuavam no poder público federal e com as mudanças positivas que o combate à corrupção trazem para a Justiça brasileira (…)”. É, vai ver o ministro gosta de injustiças.
Pois é…
A verdade é a seguinte: a Lava jato e seus protagonistas usam para si critérios que não empregam para aqueles que são seus alvos. E isso não vale apenas para o Ministério Público Federal. O dublê de doleiro e advogado Rodrigo Tacla Durán, foragido na Espanha (tem dupla cidadania), que trabalhava para a Odebrecht, acusa Carlos Zucolotto Junior, um compadre e amigão de Moro, de lhe ter cobrado US$ 5 milhões por fora para facilitar um acordo de delação premiada. Como o juiz havia decretado a sua prisão e como ele se mandou, Moro se limita a responder que seu depoimento não tem credibilidade, que se trata de uma tentativa de manchar a Lava Jato e que Zucalotto é inocente. Na entrevista ao Roda Viva, deixa claro que não se deve confiar na palavra de um bandido. Pois é… Entre os que celebraram acordo de delação, quantos são candidatos à canonização?
Encerro
A Lava Jato negar que exista a indústria da delação é o mesmo que negar as leis de mercado. Havendo a demanda, fiquem certos, aparecerá a oferta. Se um Joesley pode confessar, como fez, 245 crimes e se safar — e foi o que Rodrigo Janot arranjou pra ele; é que aquele gravador estragou tudo… —, imaginem quanto não vale um advogado que sabe transitar nesse cipoal.
Com o tempo, cria-se um mercado e um verdadeiro meio-ambiente econômico, do qual fazem parte delatores, procuradores, juízes… Daí a passar para a troca de cartões é um pulo… Quando as relações, digamos, estranhas se mostram, elas precisam, quando menos, passar por uma avaliação administrativa. Mas não! Logo alguém grita: “Estão querendo difamar a Lava Jato”. E pronto! A inimputabilidade prévia está garantida. As personagens são inalcançáveis.
E isso, por uma questão lógica, pavimenta o caminho do crime.
É uma pena que o jornalismo investigativo no Brasil se comporte, com raras exceções, como porta-voz e vazador da Lava Jato. Isso quer dizer que a apuração jornalística também está interditada. Não está apenas acima da lei. Fica acima, também, do jornalismo. E qualquer pio que se dê fora dessa adesão burra merece logo a pecha: “Inimigo da Lava Jato”.
Ah, sim, estou pensando em adotar o nome “Reinaldo Estado de Direito Azevedo”.
Por Reinaldo Azevedo
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