quinta-feira, 1 de julho de 2021

Cerquem o Ministério da Saúde com fitas amarelas. Virou um caso de Polícia



A CPI resolveu antecipar para hoje, às 9h, o depoimento de Luiz Paulo Dominguetti Pereira, o PM de Minas que, na condição de vendedor de remédios da empresa americana Davati Medical Supply, ofereceu 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca ao Ministério da Saúde. Segundo disse em entrevista à Folha, a pasta teria aceitado a oferta de 200 milhões desde que, aos US$ 3,50 de cada unidade, a empresa acrescentasse o sobrepreço de US$ 1, dinheiro que teria de ser, depois, devolvido. Seria a propina. Nessa proporção, estamos falando de R$ 1 bilhão.

De saída, a coisa parecia inverossímil. Todos corremos para tentar saber o que era essa tal Davati, que tipo de coisa vendia, qual era o seu porte. Não pareceu um potentado capaz de fazer ofertas de medicamentos nesse volume. Mas havia coisa ainda mais estranha: seria a primeira vez que a AstraZeneca recorreria a um intermediário para vender vacinas. Todas as suas negociações têm sido feitas com governos.

A queda fulminante de Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do Ministério da Saúde e, segundo Dominguetti, seu principal interlocutor nas conversações — e também suposto autor da proposta de negociata —, deixou claro que o inverossímil era, no entanto, verdadeiro. Ao menos em parte.

A reportagem da Folha tem em mãos os e-mails com as tratativas, e a Controladoria Geral da União confirma que ele realmente esteve no Ministério da Saúde, conforme relatou ao jornal. Mas e a oferta de sobrepreço? Como saber? Isso, obviamente, não está no papel. Se o homem não gravou nenhuma conversa imprópria, será a sua palavra dele contra a daqueles com quem jantou.

Na primeira oferta ou convite para o pagamento de propina, estariam presentes, além de Dias e de um empresário de Brasília, o coronel da reserva Marcelo Blanco, que era assessor do Departamento de Logística — também convocado para a CPI. Na véspera desse encontro, destaque-se, Blanco abriu uma empresa de representação comercial de medicamentos: a Valorem Consultoria em Gestão Empresarial.

O ABSURDO EM SI
Observem: a AstraZeneca é parceira no Brasil da Fiocruz, que é um ente federal. Ainda que a Davati realmente tivesse as vacinas -- vamos ver se conseguimos saber nesta quinta se as doses existem --, não seria razoável que o Ministério da Saúde consultasse, então, a fundação para saber se tinha notícia da disponibilidade de tal volume no mercado?

Ainda que tudo tivesse transcorrido no Ministério na mais absoluta boa-fé e que Dominguetti fosse um mitômano ou um pilantra, já estaríamos diante de um caso óbvio de inépcia, de falta de preparo técnico, de incompetência. Comparem com o esforço feito pela Pfizer para conseguir vender vacinas ao Brasil. Com a Covaxin, por sua vez, tudo caminhou com mais rapidez. No caso de eventual negócio com a Davati, o procedimento teria sido fulminante.

Herman Cardenas, dono da empresa americana, diz ignorar o pedido de propina e é algo reticente sobre a participação de Dominguetti na negociação — ou conversação. O fato é que as mensagens indicam que o policial de Minas é personagem do enredo. E, como se observa acima, a CGU confirma a sua ida ao Ministério da Saúde.

PAZUELLO AUSENTE DE NOVO?
A propósito: o que fazia Pazuello também nesse caso? Então existiria uma oferta de 400 milhões de doses da AstraZeneca no mercado, suficientes para imunizar todos os brasileiros em idade tomar vacina, e o então ministro, a exemplo do que fez no caso da Covaxin, esteve ausente?

Parece que a Davati está na mira de autoridades americanas justamente por oferecer o que não pode entregar. Pode ter sido esse o caso no Brasil. Antes mesmo de entabular uma conversa, o Ministério da Saúde deveria ter se informado sobre as credenciais do interlocutor. Justamente porque não o fez — ignorando, ademais, a Fiocruz, parceira da AstraZeneca no Brasil —, a hipótese de que se tenha tentado uma negociata se torna ao menos verossímil.

CONTRATEMPOS DOS "NEGOCIONISTAS"
Os "negocionistas" começam a enfrentar tempos difíceis.

O acordo com a Covaxin subiu de vez no telhado e não terá um desfecho em dez dias, como anteviram o Ministério da Saúde e a CGU. A Anvisa recusou o pedido de uso emergencial mais uma vez, e duas frentes de investigação foram abertas: na Polícia Federal e na Procuradoria da República do DF.

Também a compra da Convidecia, a vacina do laboratório chinês CanSino, deu com os burros n'água. Seus então representantes no Brasil, a Belcher e o Instituto Vital Brasil, foram descredenciados pelo fabricante, e a Anvisa nem avaliou o pedido. A advogado que atuou junto à agência é sócio do genro de Ricardo Barros.

E, daqui a pouco, teremos mais detalhes do espantoso imbróglio envolvendo a empresa americana Davati.

Cerquem o Ministério da Saúde com uma fita amarela.

Trata-se de um caso de Polícia.

Por Reinaldo Azevedo

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