terça-feira, 13 de abril de 2021

No caso das CPIs, Senado e STF terão de decidir se premiarão delinquência



Uma CPI da Covid-19 vai se instalar, segundo o requerimento proposto pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) fará a leitura nesta terça. Amanhã, o Supremo julga a liminar concedida por Roberto Barroso.

Bolsonaro, como restou claro, conspirou contra a investigação na conversa tornada pública, de caso pensado, com seu conhecimento prévio, pelo ainda senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO). Diante da inevitabilidade da comissão, os dois combinaram o impossível: o senador falastrão tentaria mudar o fato determinado que está no requerimento de Randolfe: ações e omissões do governo federal no trato da pandemia, com ênfase na crise de oxigênio do Amazonas.

Eduardo Girão (CE), senador do Podemos — o Partido da Lava Jato, que ora serve a Bolsonaro —, começou, então, a colher assinaturas para a CPI contra os governadores e prefeitos. Já escrevi ontem aqui: da forma como vem ao mundo, a investigação proposta pelo contínuo de Bolsonaro fere a Constituição e o Artigo 146 do Regimento Interno do Senado. Estados não podem ser alvos de CPIs.

Ninguém, no entanto, nasceu ontem. É claro que, havendo uma evidência de que recursos federais foram desviados por algum esquema criminoso, é evidente que a investigação se imporia.

Ocorre que quem toma essa decisão são os membros da comissão. Uma CPI não pode nascer com fatos indeterminados, atendendo apenas à conveniência do presidente da República. Bolsonaro, como se sabe, acha que fez tudo certo na crise; que a atuação do seu governo foi impecável; que não houve erros. E atribui todos os males do mundo a governadores prefeitos e à imprensa.

REVANCHE
Quem, na verdade, articula uma revanche política é ele. O governo federal, por decisão sua, falhou miseravelmente na coordenação dos esforços contra a doença, e agora ele tenta achar culpados.

Pacheco não tem poder para mudar o requerimento da CPI. Até porque a questão já foi judicializada, e Barroso não mandou instalar uma CPI qualquer sobre a Covid-19, mas aquela CPI.

Duas comissões funcionando no Senado ao mesmo tempo? Seria uma sandice. Mal se sabe quando uma delas será instalada e a forma como funcionará. Acontece que o presidente decidiu transformar o Senado num campo de guerra, que vira uma espécie de metonímia do que ele fez com o país.

Pode haver algum entendimento entre os dois grupos? Vamos ver. É claro que não faria sentido dizer que a CPI original jamais se voltaria para um Estado ou outro se surgisse alguma coisa grave a ser investigada. Uma vez em funcionamento, o escopo de uma investigação pode ser ampliada se essa fora vontade de seus membros.

INACEITÁVEL
Dizer o quê? Assim como o Supremo manda instalar uma CPI atendendo ao que dispõe as regras do jogo, também pode interferir se o Executivo decidir usar um instrumento que está na Constituição para fazer um ajuste de contas com adversários políticos.

Se Barroso mandou instalar uma CPI porque julgou que existia o fato determinado, não pode condescender com outra, caso alguém apele ao Supremo, que não conte com o dito cujo, cujos alvos sejam 27 governadores e 5.570 prefeitos.

Da mesma sorte, não é aceitável que uma CPI nasça ferindo o Regimento Interno. Insista-se: o que se passou nos Estados fatalmente chegará à comissão. A questão é saber como. Bolsonaro não quer investigação, mas pelotão de fuzilamento. É o que chama fazer limonada com um limão.

Se, em caso de judicialização, o Supremo condescender com a aberração, então estará premiando os dois bufões que se articularam, tornando pública a conversa — e com a anuência de ambos — para neutralizar uma CPI. E o mesmo vale para o Senado.

DELÍRIOS DA IMPOTÊNCIA
Compreendam-se as frustrações de Bolsonaro. Nos seus melhores delírios de potência, a pandemia já seria coisa do passado, e seu governo estaria à caça de governadores e prefeitos, substituindo o terror da Lava Jato por um outro, que seria comandado pela Procuradoria Geral da República. No começo, até funcionou: um dos adversários do presidente foi alvejado: Wilson Witzel -- que foi afastado do cargo, note-se, de forma inédita, com uma interpretação "bolso-solipsista" das regras do jogo.

A esses devaneios entregava-se o ocupante do Palácio do Planalto. Já imaginaram uma ação espalhafatosa da Polícia Federal em São Paulo? Ai, sim: em vez de o governo federal ir ao Estado só para buscar vacinas, apareceria na fita fazendo mandados de busca e apreensão na casa de João Doria.

Consta que a segunda e devastadora onda da pandemia suspendeu ou adiou algumas operações espalhafatosas. Depois de a Lava Jato ter promovido uma razia na política, legando-nos Bolsonaro, este alimentava seus próprios sonhos de destruição.

Dado o perfil, que já não pode esconder de mais ninguém, é muito provável que o presidente sofra mais por aquilo que deixou de destruir do que por tudo o que não pôde construir.

A sua terra é a devastada. A sua pátria é a dos mortos.

O comando do Senado e Supremo terão de decidir se a delinquência política de Bolsonaro e Kajuru será ou não premiada.

Por Reinaldo Azevedo

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