quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Fux tenta um gol à moda "Maradona mão de Deus". Mas é só a mão de Fux mesmo



Luiz Fux, presidente do Supremo, decidiu fazer um gol de mão, como Maradona nas quartas-de-final da Copa de 1986, aos seis minutos do segundo tempo, no jogo contra a Inglaterra. O jogador afirmou que a mão não era sua, mas de Deus. Malandro, mas um craque. Quatro minutos depois, fez o segundo gol, este legítimo, que disputa o lugar de o mais bonito da história do futebol. Fux não é um craque.

O que fez o doutor? Elaborou para a sessão administrativa desta quarta uma pauta com os seguintes enigmas:
1: Retomada das discussões referentes às competências do tribunal;
2: Retomada dos itens discutidos na Sétima Sessão Administrativa, realizada em 19 de agosto de 2020.

Pois bem: no item 1, estava encoberta a pretensão do novo presidente da Casa: retirar das turmas e passar para o pleno os julgamentos das ações penais. Como aquelas relativas à Lava Jato vão sair, então, da Segunda Turma, onde a operação tem sido derrotada pelo devido processo legal, a imprensa registrou o gol de mão como uma vitória do lavajatismo.

Será mesmo? Já chego lá. Lembro ao ministro, antes que prossiga, que o ódio é um veneno que a pessoa toma na esperança de que o outro morra...

Fux está mordido porque Bolsonaro resolveu indicar o desembargador Kássio Nunes para o STF sem consultá-lo, mas dialogando, sim, com Gilmar Mendes e Dias Toffoli — que, reitere-se, não serviram de consulentes. Ele apenas lhes comunicou a sua escolha. Ao presidente do tribunal, é verdade, não houve essa deferência.

Fux é amigão da Lava Jato. No meu blog e no programa "O É da Coisa", publiquei diálogos que a Vaza Jato trouxe a público que indicam essa proximidade. Depois de tomar um café com o ministro, em 22 de abril de 2016, Deltan Dallagnol ironizou, em mensagem enviada a seus pares, a intimidade que lhe foi franqueada pelo ministro. Escreveu: "Só faltou, como bom carioca, chamar-me pra ir à casa dele rs."

Revelou ainda que Fux criticou Teori Zavaski, um colega de tribunal. Muito ético, certo? Dallagnol repassou os gracejos para Sergio Moro, que era nada menos do que o juiz da Lava Jato. E recebeu como resposta: "In Fux We trust" — "Nós confiamos em Fux". Republico o post para que vocês lembrem detalhes.

É muito provável que Kássio — ou outro, caso consigam derrubá-lo — vá para a Segunda Turma. O ainda desembargador do TRF-1 é visto como um garantista, o que quer dizer que não é tendente a endossar as estripulias ilegais da Lava Jato. Então veio o gol de mão como vingança.

O que será decidido agora pelos 11?
- a aceitação ou não de todas as denúncias, inclusive as da Lava Jato;
- o julgamento de todos os réus, inclusive os da operação.

O que continua com as turmas?
- o julgamento de habeas corpus -- logo, o pedido de suspeição de Sergio Moro no caso do tríplex de Guarujá, que diz respeito a Lula, segue na Segunda Turma;
- o recurso do MP do Rio contra foro especial para Flávio Bolsonaro continua na Segunda;
- todos os recursos com origem em instâncias inferiores seguem com as turmas.

Qual foi a justificativa de aparência republicana apresentada por Fux? Antes das mudanças havidas nas regras do foro especial — tomadas pelo STF ao arrepio da Constituição, diga-se —, havia 500 inquéritos e 89 ações penais na corte. Agora, reduziram-se, respectivamente, a 166 e 29. Então a divisão dos processos penais entre as duas turmas, decidida em 2014, não mais se justificaria.

Sei: tudo indica que Fux, para se vingar de Bolsonaro, Mendes e Toffoli, deu um tiro no pé e conseguiu o cruzamento malsucedido da vaca com o jumento. O híbrido nem dá leite nem puxa carroça porque:
- mesmo com o atual composição, o pleno já aplicou derrotas à Lava Jato; se Fux acha que o indicado por Bolsonaro atuará contra a força-tarefa, não há garantia de que obterá o resultado que pretende;
- aumenta por dois a chance de um pedido de vista a cada votação, o que tornará os julgamentos mais demorados;
- eleva-se a carga de trabalho de cada gabinete; isso também atua contra o tempo;
- em 2014, contra o meu entendimento, o STF afirmou que subsistem embargos infringentes caso haja ao menos quatro votos absolutórios de réu condenado. E é preciso fazer um novo julgamento. E tome tempo! Nota: a Lei 8.038, que regula a ação penal originária, não prevê tal instrumento, que consta, no entanto, do Regimento Interno do STF, Artigo 333.

Sem atentar, é provável, para as consequências, abraçado a seu rancor, Fux não pensou nos desdobramentos de sua decisão. Um ministro quis saber se os processos já em curso, com relator e revisor definidos nas turmas, também migram para o pleno. Ele disse um genérico "sim". Vem confusão das boas por aí.

É provável que se tente recorrer a julgamentos virtuais — aqueles em que o ministro registra na Intranet do STF o seu voto — como se fossem gambiarras. Bem, advogados têm o dever de zelar pelos direitos de seus clientes. E hão se mobilizar para que todos os julgamentos sejam presenciais — ainda que feitos a distância.

Não custa lembrar: parlamentares já recorreram ao Supremo contra o julgamento nas turmas. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade foi recusada, diga-se, por unanimidade, em julgamento realizado entre os dias 12 e 19 de junho deste ano — há meros quatro meses. E Fux não fez qualquer objeção. Sim, inconstitucional não é, mas o ministro teve a chance de expressar ali seu inconformismo.

Agora ele armou uma quizumba no tribunal. Mas deve estar satisfeito de ler na imprensa que ele impôs uma derrota aos inimigos da Lava Jato, que vêm a ser os amigos do devido processo legal.

Tomou veneno para que os outros morressem achando que fazia um gol de mão de Maradona. O híbrido nem puxa carroça nem dá leite.

Por Reinaldo Azevedo

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